A resposta à pergunta que dá título a este texto está longe de ser simples, desse modo alinha-se as polêmicas e reflexões, que compõem o DNA deste Fatos. Argumentos? Nesse sentido, com o propósito de responder, guiarei o leitor através de proposições que têm por objetivo mostrar ao leitor que o (alto) preço dos livros no Brasil é reflexo: a) o trabalho necessário para sua confecção; b) a estrutura do mercado editorial, seja pelas características da demanda, seja pela configuração da oferta; e c) a conjuntura atual contribui para um aumento significativo dos preços.
Resta evidente que, ao final do texto o leitor ainda estará livre para apontar que se trata de um pi pi pi, pó pó pó! A vocês, guardo meu respeito ao apontarem isso e ao reler apenas as proposições deixo aqui um último recurso: a renda média do brasileiro é extremamente baixa, logo, tudo é caro…
E aqui é necessário um disclaimer, atualmente estou envolvido em uma ação pública em defesa da manutenção da isenção tributária sobre livros, especificamente, a campanha “O Livro Transforma”. A partir de agora, a tarefa de avaliação das proposições e das motivações desse escritor cabem exclusivamente ao leitor.
Quanto a primeira proposição, cabe apontar que entre a redação final e o livro impresso e disponível na prateleira há um processo intensivo em mão-de-obra! Essa cadeia produtiva envolve etapas como revisão, edição, preparação, diagramação e, no caso de obras em língua estrangeira, tradução. Tarefas que demandam pessoas com formação e qualificação específicas, características que suscitam dúvidas quanto à disponibilidade oferta de trabalho devidamente qualifica, logo, temos um potencial fator explicativo para o alto custo. Evidentemente, é possível recrutar mão-de-obra não qualificada, assim os preços cairão, certo? Nem tanto, nem tanto. Discorda? OK, façamos assim, compre uma edição barata de “A Megera Domada” e boa sorte com a leitura! Ao final é possível que você duvide da genialidade de Shakespeare, enfim…
Ainda acerca da primeira proposição, a gestão da etapa logística é um gargalo, pois os livros saem da editora com um desconto de 50% no preço de capa. É muita margem? Depende das decisões de estoque e transporte. Sem me aprofundar, vou apresentar dois pontos para reflexão sobre a logística: a) Via de regra, as editoras são boas em editar e ruins em logísticas! Ao comprarmos de editoras os custos e prazos de frete não costumam ser generosos; b) A Amazon criou a ilusão de que logística é simples! Nada mais ilusório, a não ser a crença de que tudo permanecerá caso essa empresa se torne monopolista…
Encaremos agora a segunda proposição. Há problemas com a demanda por livros! Em específico, o principal demandante de livros é o setor público, no detalhe, as compras concentram-se no Programa Nacional do Livro e do Livro Didático (PNLD) do Governo Federal. Só isso? Não, considerando a expansão do ensino privado, em especial, em Nível Superior temos um impulso adicional ao livro como material didático e/ou leitura de apoio. Sejamos direto, a demanda de livros no Brasil concentra-se em material didático e paradidáticos!
Assim, o mercado distribui-se em nichos, em especial para livros que não se liguem diretamente ao ensino! Em mercados nichados a produção concentra-se em pequenas quantidades, em muitos casos, confecção tangenciando o artesanato! Tres Chic? Sim, porém exerce pressão sobre os custos e preço meu caro e persistente leitor!
Ainda sobre a segunda proposição, abordemos o lado da Oferta! Se falamos de nichos, estamos diante de pequenas editoras que concorrem com elementos extra preços, a típica concorrência monopolística, certo? Errrrrrouuuu!! O mercado é concentrado em poucos grupos, os quais controlam parcelas significativas de mercado através de diferentes selos editoriais. Exemplos? Pois não, Companhia das Letras, Grupo Editorial Record; Editora Globo; Editorial Planeta, etc. Em tempo, manuais de Organização Industrial não definem uma causalidade direta entre baixa concorrência e elevadas margens. No entanto, eles claramente nos mostram que não podemos esperar de mercados concentrados os mesmos preços de mercados plenamente concorrenciais. Assim, proponho apenas que reconheçamos: o lado da oferta e a margem das editoras é um fator explicativos dos preços (altos).
Por fim, mas não menos importante, a produção de livros demanda a utilização de commodities, especificamente papel e celulose. Como é de conhecimento público, a definição do preço desses bens segue o mercado-internacional, além disso, em contexto de desvalorização da moeda nacional a exportação torna-se ainda mais interessante para produtores. Ou seja, a matéria-prima para produção de livro é mais um fator que pressiona os preços. A título ilustrativo, apresentamos um número, o Índice Geral de Preços a Mercado (IGP-M) calculado pela Fundação Getúlio Vargas, entre maio de 2020 e abril registra uma alta de 32,02%. Mais uma fonte para preços altos, certo?
Acredito ter apresentado elementos para que os leitores avaliem se os (altos) preços refletem a produção desse item!
Antes que ressentidos se apropriem e/ou desvirtuem esse texto: não, livro não é coisa de rico! O supracitado PNLD possibilita que bibliotecas propiciem acesso a material de didático e leitura complementares. Como quem avisa amigo é, caso ainda haja insistência em acabar com isenção de livros, antecipo: preparem-se para as reclamações de Prefeitos quando o referido programa entregar menos material didático, e os livros para o vestibular sumirem das bibliotecas públicas.
Tatiana Chicareli says:
Prezado Fábio,
Primeiramente gostaria de dar os parabéns oficialmente pelo site. Acho os textos muito interessantes!
No caso dos livros, acho que há uma inversão de valores quando se fala que o livro no Brasil é caro. Comparado a outros artigos de consumo que a maior parte da população consome, são relativamente baratos. Não pretendo me aprofundar nessa discussão, só queria colocar a o ponto de vista de quem mora fora, e que os preços de livros aqui na Alemanha são igualmente “valorizados”. Em média custa um livro de capa mole e edição mais compacta (similar a edição de bolso) 10 Euros. Livros de capa dura entre 20 e 30 Euros.
Creio que a existência dos e-Books como alternativa ao livro impresso é válida. Normalmente as edições eletrônicas tem um preço mais acessivel e permitem a leitura em vários aparelhos eletrônicos. Para mim, que não tenho oportunidade de comprar frequentemente livros físicos publicados no Brasil, é uma ótima solução para manter a leitura em português em dia.
Enfim, a questão do preço me parece muito mais uma justificativa falha para a vitimização da população que diz não ler porque não “pode”. Ler não é coisa de rico, nem de gente abastada, mas certamente o gargalo educacional da população brasileira tem uma parcela de culpa no não incentivo à leitura.
24 de maio de 2021 — 09:42